domingo, 25 de agosto de 2013

MacGyver, o canivete e o celular



Se você passou pelas décadas de 1980 e 1990, talvez tenha assistido aos Trapalhões no cinema, talvez tenha gravado uns clipes da MTV no videocassete, talvez tenha reparado que Michael Jackson estava mudando de cor com o passar dos anos e certamente conheceu MacGyver, o mestre da adaptação técnica provisória. Em outras palavras, o rei da gambiarra.

Ele era o protagonista de uma série de TV conhecida aqui no Brasil como "Profissão: Perigo" na qual escapava das encrencas sem abusar da violência usando apenas um canivete suíço e objetos que "coincidentemente" sempre estavam disponíveis na cena quando ele mais precisava.


Abertura da série na Globo e a clássica trilha sonora, "Tom Sawyer", dos canadenses da banda Rush.

Para se ter uma ideia das suas proezas, certa vez MacGyver parou um vazamento químico usando chocolate. Isso mesmo, chocolate! É por façanhas assim, possíveis para alguns, improváveis para outros, que até hoje o cara inspira piadas nonsenses por aí, como aquela em que MacGyver escapa do deserto usando uma laranja.

Não conhece? Bem, sou péssimo para piadas, mas vou contar assim mesmo: "Sabe como MacGyver escapou de um deserto usando só uma laranja? Ele sabia que a laranja tinha vitamina, então separou a "vita" da palavra "vitamina" e usou a mina para explodir a areia e causar um terremoto. Então ele separou o "terre" da palavra "terremoto", ficou com a moto e foi embora".

Pronto! Agora é a parte em que você deveria rir. Eu disse que sou ruim com piadas.

Mas MacGyver não faz mais sucesso como antigamente. As pessoas já não se identificam tanto assim com ele, pois não costumam sair por aí carregando um canivete suíço no bolso. Ao invés disso, elas carregam um celular que, assim como o canivete suíço, é capaz de fazer um monte de coisas, mas nada direito. Afinal, usar o saca-rolha do canivete é tão prático quanto fazer uma ligação de celular num dia chuvoso na roça onde não tem nem energia elétrica.

Mesmo com tudo o que um celular pode fazer por você, ele não seria tão útil em situações de desespero. Imagine você e um celular num rio cheio de crocodilos. O que você faz? Toca uma musiquinha da sua playlist para acalmar os bichos? Talvez Enya funcione. Que tal um joguinho para distrai-los? Tem Angry Birds nessa merda aí? Não? Então melhor sair correndo, ou melhor, nadando.

A tecnologia transformou o celular numa espécie de "canivete suíço digital" com centenas de funções que mal usamos. O celular de hoje informa as horas, tira foto, filma e vem com despertador, rádio, TV, calculadora, bluetooth, lanterna, cronômetro, agenda, toca mp3, acessa a internet, recebe sms com dicas de dieta, de paquera e o escambau e ainda faz ligações. Só não faz café da manhã e enche pneu da bicicleta, mas um dia ele chega lá.

Hoje basta apertar um botãzinho que o universo faz o resto para você, não precisamos pensar muito. Às vezes, não precisamos nem pensar. Mas na época do MacGyver ele precisava, pois não bastava ter a ferramenta sempre a mão, era preciso ter conhecimento prático das coisas para saber aplicá-lo da melhor forma possível.

Embora a evolução tecnológica esteja aí para facilitar nossas vidas, às vezes não sei se estão pensando mais no nosso conforto ou na nossa preguiça. Muitos hoje não exercitam os músculos nem para fechar o vidro da janela do carro, pois, como já disse, é só apertar um botãozinho que o universo faz o resto pra você. Se projetaram algo para que você não exercite os bíceps, saiba que antes disso projetaram muitas outras coisas para que você não exercite o cérebro. Existe aí uma fronteira bem frágil entre comodidade, preguiça e luxo.

Quase que paradoxalmente, o dono do carro gasta dinheiro com academia para exercitar os músculos que ele poupou ao apertar o botão do vidro elétrico. E pensar que a janela do fusca do seu avô é à manivela e ninguém nunca reclamou disso. Só falta agora o acesso da academia do cidadão aí ser equipado com escada rolante. Pô! Se é pra fazer exercício, que chegue já se exercitando, né?

Hoje MacGyver trabalha num escritório com pessoas com 1/4 do seu QI que só sabem fofocar e desperdiçar material. Sua consciência sustentável – que ele já tinha muito antes disso virar moda – o faz pegar todo lixo reciclável para reaproveitá-lo em outra coisa, assim como fazia no auge da sua carreira. Por exemplo, a caneta Bic que ele achou no lixo semana passada foi desmontada e a tampa dela agora é um extrator de grampo; a tinta foi para a almofadinha do carimbo; e a carcaça ele usa como zarabatana pra sacanear as meninas lá da recepção.

Pausa para explicar o que é uma zarabatana àqueles que nunca brincaram de ninja ou de índio na infância. Zarabatana é um canudo pelo qual se arremessa, com um sopro, bolinhas de papel e outras coisas que sua mente fértil permitir. Se quiser saber mais sobre o objeto e suas aplicações, pergunte ao Google, ou ao sobrinho do MacGyver que levou suspensão na escola por ter acertado a professora com o brinquedo do tio.

Se o agente MacGyver foi capaz de evitar um desastre usando só um canivete e um chocolate lá na década de 1980, imagine o que ele faria hoje com as peças de um Xbox e um iPhone.



Guigo é autor do blog www.doiscuringas.blogspot.com  e quando criança fez uma autópsia num Atari e usou as peças do videogame para criar uma torradeira e um mecanismo para que a vitrola tocasse o disco da Xuxa ao contrário. Sobrou só o fio do joystick que ele deu para a vizinha usar como varal, mas ela preferia usar como chicote quando os filhos faziam besteira.

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