quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Poeta fanfarrão

Se algum dia você participar de um concurso de poesia e estiver mesmo a fim de ganhar um troféu, sugiro que escreva algo que mexa mais com as emoções do que com a razão das pessoas.

Mas se você se acha um Carlos Drummond de Andrade, ou um Ferreira Gullar ou um Fernando Pessoa sinta-se à vontade para escrever o que quiser e como quiser. Não se preocupe com rimas porque isso é só uma brincadeira que inventaram para distrair nossa atenção. Poeta que é poeta sabe que a poesia de verdade está nas entrelinhas.

Já participei de concursos literários e sempre observava a diversidade de poemas que apareciam. Já vi muita coisa por aí de qualidade questionável daqueles que se dizem “poetas”, mas quem sou eu para julgar, né? Então dessa vez resolvi brincar com tudo isso e tive a ousadia de me inscrever num concurso outra vez.

Os mais observadores que entendem do assunto vão perceber que o poema tem algumas “frescurinhas”, como o fato de todos os versos possuírem doze sílabas poéticas e outras coisas. Talvez um verso ou outro não tenha as tais doze sílabas, mas... dane-se, talvez nem os jurados tenham notado.


Poema, piada ou protesto

Se nem conhece canções pra rir ou chorar
Como alcançar sua alma ou tocar seu coração?
Que outros alvos os poetas vão explorar?
Não há novos caminhos nessa direção

São só maneiras diferentes de viver
Nesse mundo de homens cada vez mais dispersos
Comemore se achar um que possa dizer
Qualquer mensagem traduzida em prosa e versos

Se fizesse versos como o Pessoa fazia
Seria como mais um heterônimo seu
Quero deixar claro que brinco com poesia.
Com sentimentos não brinco nem com os meus

É fácil demais rimar verbos entre si
Mas muitos verbos em versos não dizem nada.
Pensa que é fácil fazer um poema assim?
É preciso ser mais que uma rima forçada

Basta uma palavra certa no lugar certo
Para qualquer cidadão chegar até aqui
Não precisa sorte ou talento, seja esperto
Diga aquilo que os jurados querem ouvir

Mas se a intenção é impressionar a comissão
Que julguem então a consciência de vocês
Rimas pobres carecem daquela "emoção"
Quer saber? Tanto faz para um povo burguês

Verso encerrado com verbo no infinitivo?
Não me diga que usa esse truque infantil!
É quase uma fala de um povo primitivo
Que eu aceitaria só até o nível juvenil

E não abuse de verbos num mesmo verso
Outra dica: sem metáforas complicadas
Afinal, ninguém quer um público disperso
já arrependido por ter saído de casa

Exageram na quantidade de adjetivos
Que viram ricas palavras sem conteúdo.
Um novato se esforça para ser conciso
E acaba fazendo o pior verso do mundo

Não se preocupe tanto com rima ou métrica
Eles toleram até a mais grotesca falha
Eles não sabem o que é sílaba poética
Assim fica fácil ganhar uma medalha

E se a métrica é disfarce, sou ilusionista
Um truque barato que se aprende sozinho
Basta fingir lágrima para ser artista
Que os aplausos aparecerão no caminho

É o que acontece com quase tudo na vida
Nossas mentiras sempre estiveram na moda
Ninguém quer trabalho sem fama garantida
Nesse país justo só da boca pra fora

Mas eu não sou jurado nem nada importante
Só vim aqui para espairecer as ideias
Porque já cansei das rimas da minha estante
E os verdadeiros poetas estão na plateia

Vim ouvir o que os novos versos vem dizer
Talvez alguma rima aqui fique famosa
E tenho outras ideias querendo nascer
Que ainda são só rascunhos em verso e prosa

Duvido que essas estrofes subam ao pódio
A menos que criem outra categoria.
Que tal "Melhor Poema Causador de Ódio"?
Ou "As Quinze Melhores Estrofes de Ironia"?


É claro que não ganhei medalha alguma, ainda mais falando desse jeito, mas valeu a experiência. Se esse poema chegou onde chegou é porque alguém lá tinha senso de humor. E é isso que importa. O melhor de tudo isso foi saber que um dia a Ironia sorriu para a Poesia e vice-versa.



Guigo é autor do blog www.doiscuringas.blogspot.com  e não aguenta mais ouvir pagodeiro e sertanejo universitário rimando "amor" com "dor", "emoção" com "coração", "momento" com "sentimento", e "balada" com "namorada", “noitada", "madrugada" e até com "tchê tchererê tchê tchê". 

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